Quais as consequências desse tal amor?

Uma garota com seu vestido branco de linho que era de sua mãe, e vestindo um casaco vermelho costurado por sua avó, sai de casa em uma manhã nublada e as ruas estão praticamente vazias, o ar triste da cidade chega a ser deprimente, as folhas no chão secas, os galhos vazios e as poucas pessoas que andam por ali estão solitárias e cabisbaixas; O casal sentado no banco mal se olha, nem se tocam. A senhora grisalha anda corcunda e com o rosto sem esperanças, o senhor anda sem rumo com seu cachorro e sua bengala...A cidade é cinza e triste; Ela ao passar por essas pessoas é observada com olhares confusos e estranhos. A pequena garota se pergunta então se será por seu cabelo estar desgrenhado, ou será seu casaco vermelho, que é a unica cor viva daquele local, serão seus sapatos? Então ela se aproxima de uma criança que brinca sem animação com seu brinquedo no meio da rua e que ao percebê-la ali, demonstra espanto e boquiaberta fica a observa-la.
A menina então se abaixa e fala:
-Olá tudo bem? Por que me olha assim? Tem algo de errado em mim? - E rapidamente começa a se olhar, cabelo , roupa, tudo.
A criança sem entender por que ela se olha, levanta o rosto da menina e diz
- Para de se olhar. Você não está estranha. Você só...tem algo diferente da gente, algo bom
- Que é...?- A menininha não entendia o que a garota queria dizer.
- Acho que o que você tem é...amor. -A criança exclama espantada com um olhar confuso.
A garota então levanta e continua andando, ao chegar na ponte, resolve atravessar de outra forma, ela sobe na madeira que cerca as extremidades laterais da ponte e por um instante para, se equilibra e sente a brisa fria no rosto e o aroma de flores e pensa no que a menina lhe disse, "Você tem amor".
E o que o amor nos traz? O que ele é ? O que ele causa?
O que o amor é, na verdade, ninguém sabe, apenas sentem. E qual o sentido de saber? A final, não é o amor algo a ser sentido? O amor é como...Magia.
Você não vê, você não toca, você não pode comprar...e pra consegui-lo você precisa de duas coisas apenas: Acreditar e sentir.
É tão simples, tão frágil, tão bom... Mas e o depois ? E as consequências desse tal amor?
Então a garota entende. Entende o por que da tristeza da cidade, o por que do cinza, do desânimo, da tristeza e o por que de ser tão diferente de todos. Não era seu casaco ou seu cabelo, era seu amor. Ela tinha amor. Era o simples fato de ser feita de amor, desde a sua crença no amor, desde seu casaco feito com amor por sua avó, de seu vestido com tanto amor guardado pela sua mãe para lhe dar, desde o simples fato de arriscar atravessar a ponte de outra forma, arriscar sentir o vento frio...
E aquelas pessoas? Por que não tinham?
Por que ali pairava algo que se tornara maior que o amor, o medo.
O medo de amar.
O amor se limitara a homem e mulher em uma relação amorosa de companheirismo e de necessidade do outro e apenas isso.
O amor se tornara apenas uma regra. Siga e fim.
Ali pairava o medo. O medo da dor, o medo da decepção, o medo de não receber o que deu, de perder, de se arrepender, de sofrer. Esse medo fez cada um entrar em sua bolha assustada e protetora de tudo que é risco.
Passaram a não enxergar a magia das folhas no outono caídas, o gostoso do frio, o doce de um sorriso, o conforto de um abraço, a beleza de viver mais um dia, a graça de fazer bem ao outro. Aquelas pessoas nem sequer se lembram o que é o amor, o amor vizinho, o amor de conhecido ao ajudar a atravessar a rua, o amor da criança com seu brinquedo, o amor de um beijo de paixão, o amor de uma mãe com seu filho no colo mesmo sem falar nada, o amor tio, o amor irmão, o amor do amar, o amar o amor, o amor por si próprio e pelo simples fato de se amar incondicionalmente.
Quem disse que o amor é uma faca de dois gumes? É metade da laranja? É encontrar outra metade?
Será que é algo tão limitado assim?
Por que precisa o amor de complemento? Não seria ele grande suficiente para se completar sozinho? Não seria toda essa gente suficientemente capaz de ter um amor inteiro?
Essa pequena garota começou a pensar quão egoísta era pensar no amor como algo tão limitado. Que precisa de complemento. O amor é algo inteiro. Sim, como é bom ter alguém sentindo o mesmo aumentando o amor cada vez mais, mas aumentando, não completando, o amor é completo por si só.
Não havia amor por si próprio, não havia ali amor algum...
O amor é magia...é tudo. Mas talvez fosse tarde demais pra mostrar que amor era tudo. Talvez o nada daquele local houvesse mesmo superado o tudo amor.
Mas ela tinha amor, ainda restava nela a fé do amor, a esperança do amor, o sentir próprio amor, o sentir o outro amor, o simples sentir amor. E ela iria fazer o que o amor exige, ela ia amar e mostrar o amor da forma mais correta se é que existe.
ELA IRIA ARRISCAR.
Então ela desceu da ponte e foi refazendo seu caminho até em casa. Passou pela senhora e lhe deu um beijo no rosto e sorriu dizendo-lhe "Tenha um bom dia ", passou pelo senhor e acariciou o cachorro que se animou e brincou com ela, levantou- se e perguntou se poderia lhe dar um abraço. O senhor lhe disse que ia cair se soltasse a bengala, e ela pediu que tentasse. Tirou a bengala dele e o segurou, abrançando-o calorosamente, devolveu-lhe a bengala e ele ao sentir-se em pé sem bengala por um instante e um abraço caloroso, e ver seu pequeno companheiro latindo contente, soltou uma gargalhada, do nada, por nada, e continuou andando. A menina se dirigiu ao casal sentado, pediu licença e segurou a mão do homem e a colocou na da menina que olhava para longe, sem prestar atenção no namorado, no mesmo instante a mulher se virou ao parceiro e sorrindo lhe deu um beijo no rosto, ele sorriu e a aninhou nos braços, acabando com a distância que havia entre eles. Por fim a menina voltou-se a criança e fez o brinquedo ganhar vida, imitando sons e fazendo o brinquedo se mexer de formas engraçadas, levantou a criança e saiu correndo com ela e o brinquedo fazendo-a sorrir como nunca. Porém a criança parou num instante e perguntou a menina :
-O que é isso que está fazendo?
- Estou trazendo amor
- Você quer nos mostrar o amor?
- Sim
- E não vai doer?
- Talvez sim, pode doer ás vezes, mas faz tão bem, que vale a pena.
A criança sorriu e correu pra os braços da mãe.
Ao chegar em casa a mãe da menina perguntou o que fez na rua e ela apenas a abraçou e disse
- Eu te amo mãe e obrigada por me amar.

0 comentários: